Caso repercutiu em 2022, quando 55 pessoas foram resgatas do local após denúncias dos métodos utilizados como disciplina e até mesmo controle.

A Justiça Federal, vara de Tucuruí, sudeste do Pará, condenou cinco membros da comunidade Lucas, por crimes de trabalho escravo, tortura e associação criminosa, que envolveram até mesmo menores de idade como vítimas. A decisão foi publicada na terça-feira (21).

Os réus já estão presos, mas, segundo o Ministério Público Federal (MPF), eles podem recorrer da decisão. O g1 não conseguiu contato com a defesa.

O caso repercutiu em 2022, quando 55 pessoas foram resgatadas da comunidade religiosa, localizada no município de Baião, no nordeste do estado, após denúncias dos métodos utilizados como disciplina e até mesmo controle.

Condenações

De acordo com a sentença, três dos réus — líder, vice-líder e gerente da comunidade — devem cumprir 29 anos e nove meses de reclusão, além de terem que pagar multa diária de R$ 316, pelos crimes de trabalho escravo, tortura e associação criminosa.

O documento descreve que o líder exercia o controle financeiro de todos os bens e empreendimentos da comunidade, onde também foram apreendidas armas de fogo na posse dos réus.

Já o vice-líder “ocupava o segundo lugar na hierarquia do comando da comunidade e vários foram os depoimentos que o apontavam como agressor direto, nas punições físicas e outros castigos e impedia a saída dos demais membros da comunidade”, destacou a sentença.

Mulher e mãe, a responsável por gerir a comunidade foi descrita na decisão pela extrema crueldade no modo de agir em relação a crianças e outras mulheres.

Assim como os três, o quarto réu foi condenado a 29 anos e nove meses pelos mesmos crimes, além do pagamento da multa. O documento aponta que diversas vítimas citam ele como autor de agressões e espancamentos, tendo inclusive raspado o cabelo de uma delas.

Já o quinto condenado deve ficar nove anos e três meses de reclusão e pagar R$ 35 de multa diária, pelos crimes de trabalho escravo e tortura.

Provas

A decisão apresenta depoimentos e provas que confirmam os crimes citados. Entre eles, um caderno de uma das vítimas descreve:

“14 de outubro fui chamada atenção; 24 de outubro fui colocada na sentença de não falar; 08 novembro fui chamada atenção de novo. Pastor falou que não é para ‘mim’ falar nada para ninguém. Falar somente o necessário com irmão. Conversar alguma coisa somente com o esposo. Ficar em silêncio o tempo todo”

Assim, de acordo com a Justiça Federal, por vezes a violência tinha uma caráter mais psicológico do que físico.

Imagens coletadas no local mostram a existência de instrumentos de castigo físico encontrados na casa dos líderes da comunidade, tais como 12 espadas de madeira, uma régua com a escrita “Disciplina”, e dois facões grandes.

Sobre a natureza empresarial das atividades econômicas desempenhadas, a auditora fiscal do trabalho, Vanusa Vidal Zenha, ouvida como testemunha, declarou:

“Tecnicamente ficou muito claro que funcionava como uma organização empresarial, que tem objetivos definidos, interesses definidos e controle de determinadas pessoas. Segundo depoimento de todas as testemunhas que a gente ouviu, a alimentação que era escassa, era como uma forma de pagamento. Quem não desagradasse os líderes teria alimentação, quem não fizesse isso ficaria com fome.”

De acordo com ela, poucos membros da comunidade ainda estavam ligados à questão religiosa. Na verdade, as pessoas ficavam presas ao local por medo, como Vanusa explicou, depois que percebeu que, principalmente as mulheres da ‘Lucas’, não respondiam as perguntas e se mantinham de cabeças baixas.

“Você via o medo e o pavor nos olhos delas de responder qualquer coisa. Segundo as testemunhas, o tempo para descanso era muito curto. É consenso de que ninguém recebia os benefícios assistenciais do governo. Todo valor é entregue nas mãos dos líderes”, pontuou.

Sobre a chegada à comunidade, a auditora disse:

“Na minha percepção, obviamente a operação vazou. Quando a gente chegou, as crianças estavam arrumadas como se fosse para uma festa; as mulheres todas de batom; não tinha um adolescente. As pessoas estavam muito treinadas, as mulheres não falavam”, completou Vanusa.

Comunidade

A comunidade foi criada em 1997 e, de acordo com depoimentos e documentos apreendidos, após o falecimento do líder que criou a comunidade, em dezembro de 2021, outros pastores que já atuavam na comunidade assumiram a chefia.

Vítimas relataram que, no início, havia uma espécie de ‘regra igualitária’, em que o resultado do trabalho de todos seria dividido entre os participantes. Mas, com o tempo, os líderes começaram a explorá-los e a mantê-los sob guarda, poder e autoridade.

Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), os líderes usavam o elemento religioso para coagir os trabalhadores e demais moradores a cumprirem as ordens e satisfazerem as próprias vontades.

O órgão ainda explicou que os homens da comunidade poderiam ter uma ou mais mulheres, caso descumprissem a ordem, eles também poderiam ser punidos e deixar de ter uma. Durante essa troca, os filhos biológicos também eram levados e tinham as mães trocadas.

Entre junho e julho de 2022, 55 trabalhadores da “Lucas'” foram resgatados em condições análogas à escravidão, após denúncias relacionadas a um bar localizados em Tucuruí, que tinha ligação com a comunidade, em Baião, como apontou o MPT.

“Constatamos que o trabalho análogo ao de escravo ocorria tanto no estabelecimento em Tucuruí, quanto na comunidade em Baião, havendo trânsito entre os mesmos trabalhadores nos dois locais. O ideal comunitário e religioso era utilizado para enganar e manter homens e mulheres presos a um círculo de pobreza e de exploração cruel em benefício de seus líderes. O grupo era convencido a permanecer no local acreditando que aquela era a melhor forma de se viver”, destacou a procuradora Tathiane Nascimento.

G1

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Gazeta do Pará

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